Romance de Duas Cidades

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Num passado recente, um técnico de informática resolve mudar de vida; uma secretária resolve mudar de país. De alguma forma suas vidas se entrelaçam e Rio e Nova Iorque passam a ser os cenários de seus desencontros.

Do capítulo 1:

Nova Iorque. Ano 2000.

Ana estava vagamente inquieta. Thomas estava tomando banho, a transa fora regular – rápida, mas aceitável – e ela esperava a hora de chegar em casa e contar às colegas que havia saído com um americano de verdade. Era uma brincadeira recorrente entre elas desde que Cristina saíra com um rapaz 15 dias antes, um italiano que ela jurava ser nativo. Parecia o Sylvester Stallone, tinha o físico do Sylvester Stallone e, para sorte da quase monoglota Cristina, tinha o vocabulário do Sylvester Stallone.

Nova Iorque ainda a assustava. Era geograficamente menor do que esperava, mas infinitamente maior emocionalmente, se é que tal parâmetro era aplicável a um local. Todos os lugares-comuns que tinha ouvido a respeito da cidade eram verdadeiros, da multiplicidade cultural até a antipatia vigente. Ainda tinha medo de sair à noite, resquício de seu Rio de Janeiro, mas ia se adaptando. Agora mesmo não ficaria confortável em sair sozinha. Thomas morava no Bowery, uma zona meio estranha aonde jamais tinha ido, mas como ele tinha carro, coisa rara na cidade, não se preocupava muito. Ainda eram umas 11 horas, talvez beliscassem alguma coisa, quem sabe ele se animaria e fariam de novo, esperando em Deus que fosse um pouquinho mais demorado, então a levaria em casa, talvez mandasse umas flores amanhã… mas continuava inquieta. Era a primeira vez nos seus 28 anos que saía com alguém assim, balcão de bar, drinque e cama. Frequentemente sonhara com isso, lhe atribuía um charme cosmopolita e liberado, mas na prática achou a coisa toda meio fria. Se sentia mais fácil que fatal, e decidiu que assim que Thomas saísse do maldito banheiro ela ia querer um abraço. Dos grandes.

Rio de Janeiro

Paulo tentava não acender um cigarro. Largara mais ou menos o vício já há um ano, mas nessas ocasiões sentia uma falta brutal. Pensou em buscar um copo de vinho na cozinha, mas não tinha forças. Não pelo esforço despendido, mas pelo cansaço da companhia. Mal chegara em casa já se arrependera. Ela entrou, chutou um sapato para cada lado da sala, eram sapatos enormes, pesados, altos, e foi remexer seus CDs. Tirou todos da ordem, não gostou de nenhum, se conformou com uma coletânea de árias de ópera. Duvidava que a moça conhecesse qualquer uma delas, mas evidentemente ela tinha que manter o personagem. Tirou a jaqueta de brim, meio sujinha, tirou a miniblusa, também meio sujinha, não usava soutien, tirou a mini-saia, ficou de calcinha, que ele fervorosamente esperava que fosse mais limpa que o resto, e as meias coloridas que iam acima do joelho. Combinavam com o cabelo vermelho e o piercing do mamilo esquerdo, aliás bem maior que o direito. Os seios eram bastante simétricos, mas os mamilos eram completamente desproporcionados, um parecia uma alcaparra, o outro lembrava uma ventosa de flecha de brinquedo. E branca, muitíssimo branca, e muito magra, anoréxica. Ao se virar, deixou à mostra uma tatuagem que lembrava vagamente uma alcachofra vermelha, seguida de uma serpente que desaparecia entre as nádegas miúdas. Nesta hora ele duvidou que fosse conseguir qualquer reação sexual eficiente, mas noblesse oblige, e até que, honestamente falando, não fora de todo ruim.

Resolveu, enquanto se preocupava com o cheiro de maconha que vinha do banheiro, que já não tinha mais idade para esse tipo de coisa. Quando mais jovem, achava que a vida era conhecer alguém, saber seu nome e ir para a cama com ela. OK, o quesito dois era dispensável – e, na prática, também pulava o terceiro, resolvendo tudo sozinho. Agora, aos 33, achava que não seria de todo mau ter com quem bater um papo depois. Mas no momento só queria que ela saísse do banheiro para deixá-la em casa. Parecia que ela morava em Santa Teresa, o que significava uma boa distância desde o Leblon. Quanto mais cedo saíssem, melhor.