Biografia Abreu

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Biografia do violonista e luthier Sérgio Abreu, editada sob a Lei Rouanet.

 

Do Capítulo 1:

Capítulo 1

“Daqui a 20 anos nós ainda estaremos tocando, e eles ainda vão estar falando….”

 

I

Sérgio e Eduardo eram crianças quietas. Moravam na casa dos avós maternos, onde não havia a novidade da época: a TV. Reinava soberano na sala o Hi-Fi, um móvel grande, misto de toca-discos e rádio. O bom gosto do avô garantia dias inteiros ouvindo de Bach a Beethoven, de Scarlatti a Brahms. Na música popular , fados, muitos choros com Jacob, Waldir e o hoje injustamente esquecido citarista Avena de Castro, influências importantes dos futuros concertistas, somados aos ídolos máximos: Horowitz, Michelangeli, Jascha Heifetz, Segovia… Ouvir qualquer um dos citados dá pistas sobre o modo Abreu de tocar, é uma junção de todos esses. Não se ouvem arroubos, floreios, mas também jamais se ouvem notas frias, mecânicas. Como este livro é destinado fundamentalmente aos estudantes, aos músicos iniciantes, fica a primeira lição do “Método Abreu”: ouvir MUITA música, de todo tipo, mas ouvir atenta e criticamente. Conhecer o que está ouvindo com a maior profundidade possível. Como as historinhas serão inevitáveis, vamos a uma, essa comigo.

Estava dirigindo e comecei a ouvir no rádio um quarteto de cordas. Como provavelmente a viagem terminaria antes do fim da peça, liguei do celular para Sérgio, perguntando que música era aquela. Ele ouviu um trecho, e declarou que era um quarteto de Beethoven, e disse o opus. Ok, nada demais. Pediu para ouvir mais um pouco. Uns 15 segundos depois, comentou:

– Curioso, parece o Quarteto Alban Berg, mas está um pouco diferente da gravação que eu tenho…

Achei meio impossível ele reconhecer o intérprete assim, ainda mais via celular e com barulho de trânsito. Resolvi atrasar meu compromisso e ouvir até o fim a transmissão. Sim, era o Quarteto Alban Berg, numa gravação ao vivo. A que ele tinha era de estúdio…

Voltando à Copacabana dos anos 50, encontramos os irmãos estudando com o avô. Começaram, se desinteressaram, e em meados de 1959 retomam, dessa vez definitivamente. Sobre esse período pairam muitas lendas, por conta da precocidade do Duo, e todas precisam ser destruídas: não, não estudavam ao mesmo tempo no mesmo quarto músicas diferentes com metrônomos em andamentos diferentes; não, o pai não os obrigava a estudar 12 horas por dia, muito menos o avô; não, eles não saíram da escola para estudar apenas música. O que aconteceu foi que eles adoraram a novidade, e estudavam horas a fio com prazer. Os pais e avós reclamavam era do exagero, queriam que os meninos saíssem, fossem à praia, pegassem um sol. Aparentemente, jamais o fizeram.

Mais uma lição: estudar tem que ser prazeroso. Tem que haver alegria no que se faz, estudar música é opção, não obrigação, então tem que ser agradável, simples assim. Diz Sérgio:

– Muitas vezes eu começava a estudar e, quando dava por mim, já era de noite. Não se tratava de obsessão, neurose, mas distração: estava agradável, o tempo passava e eu não percebia.